Era sexta-feira. Outra das minhas comuns manhãs
banhadas pela preguiça. A última noite adiantando os artigos da editora me
rendeu considerável preguiça. Minha vontade era levantar às três da tarde ou,
quem sabe, ainda mais além. Passar o dia na cama talvez. Como eu costumava
dizer aos meus amigos, era um ser noturno e a luz do dia nada mais me trazia
além de desconforto. Independente da quantidade de vezes que eu disse isso à
Alice, todo dia, às onze em ponto, ela invadia meu quarto e abria as cortinas.
A luz do sol trazia um mal que era amplificado pela música alta e de péssimo
gosto que aquela mulher escutava todas as manhãs.
Era uma rotina com a qual eu estava habituado.
Ela, da mesma forma, já conhecia meu péssimo humor a cada abrir de cortina.
Chegamos ao acordo de não discutirmos mais a respeito disso.
Ela trazia consigo a bandeja com café. Tinha
sempre um sorriso no rosto e boa vontade incondicional. Era, sem sombra de
dúvida, a melhor escolha que fizera em toda a minha vida. Amava aquela mulher.
Estava, certamente, acordada desde as oito da manhã. Talvez mais cedo. Dispunha
de uma animação considerável, à qual eu admirava sem nenhuma de inveja.
Contou-me sobre acontecimentos da manhã, fatos que
vira na tv e na internet. O café, como de costume, estava saboroso. Ela sorria
a cada elogio que fazia a seus dotes culinários. Um sorriso inocente, único, o
qual jamais testemunhei semelhante em toda a vida. Olhava-me nos olhos, como se
me admirasse tal qual eu a admirava a toda manhã. Enquanto recolhia a mesa,
deu-me um beijo de bom dia e mostrou-me o terno e as chaves à minha espera.
Tinha uma tarde de trabalho pela frente. Pilhas de papéis a apresentar e
estresses a passar, quando minha única vontade era a de passar o dia ali, a seu
lado, desfrutar do bom almoço que só ela sabia fazer, dos sorrisos que só ela
sabia sorrir e histórias que contava, sempre a me fazer gargalhar. Bastava
estar perto de Alice para que tudo me parecesse mais perfeito.
Almoçávamos juntos somente aos domingos. O meu
costume de acordar tarde sempre foi um transtorno à nossa rotina, mas Alice
entendia que eu precisava da paz que a madrugada me oferecia para que, de fato,
produzisse algo de qualidade. Todo dia me acompanhava até o carro, fazia-me uma
carícia e desejava um bom dia, despedindo-se com um beijo e um habitual “vai
com Deus, meu anjo”, que me trazia paz ao volante.
Não era bom deixa-la só todo dia. Sabia que trabalhava
demais durante todo o dia, até o momento em que eu chegava a casa; ela, a
descansar sobre o sofá, e a casa abençoada pelo perfume que as mãos de fada de
Alice espalhavam a cada cômodo que passava. Por vezes estava encolhida, a
sentir frio, feito uma criança teimosa. Cobria-a com um lençol. Foram muitas as
vezes que permaneci olhando-a a dormir. A beleza bem distribuída por cada um de
seus traços, o respirar suave.
Quando acordava e me via em casa, dizia que
cochilou só um pouco, após um filme chato. Fazia-lhe um cafuné e sorria, como
que acreditando, ainda que a tivesse visto adormecida por horas adentro.
Com o chegar da noite, ela, sempre pontual, punha
a mesa às dezenove e trinta. A cada anoitecer um jantar diferente, o mesmo
sorriso que me oferecia pela manhã, a felicidade que só ela sabia me
transmitir.
Após jantarmos, naquela noite, liguei o som com
alguma música antiga e a chamei pra dançar. Ela hesitou por alguns minutos, mas
logo cedeu. A batida leve guiava nossos passos desajeitados, enquanto eu
sussurrava o quanto a amava. O quão ela era especial para mim. Podia sentir ao
peito o gotejar de algumas lágrimas de satisfação, seguidas de elogio
semelhante. Bebemos um bocado e gargalhamos ao sofá. Não tardou até ela cair,
adormecida, ao meu colo. Podia sentir o imenso cansaço que carregava consigo
após um dia de intenso trabalho. Peguei-a no colo e levei até a cama. Fazia
leve frio naquela noite. Cobri-a com uma coberta leve e a observei por alguns
segundos até apagar a luz. Deixei o quarto, silencioso, harmonizado pelo
respirar suave de Alice.
O telefone tocou. Fui correndo em sua direção,
torcendo para que o mesmo não a acordasse. Antes que o segundo toque se desse
eu alcancei o gancho. Fui surpreendido pela voz do meu amor. Desejou-me boa
noite. A voz trêmula, como se sentisse frio. Disse, por fim, que me esperava do
lado de fora da casa. Corri na direção da porta e a abri. Lá estava ele,
vestido tal qual um moleque em meio àquela noite fria. De bermuda e um tênis
desamarrado, cobertos por uma blusa de frio e um capuz. Perguntou por Alice. Eu
disse que já dormia, e ele entrou, beijando-me. Tivemos uma noite de profundo
amor, ali mesmo, pela sala.
Um dia perfeito, eu diria.
Na manhã seguinte, às onze da manhã em ponto, a
figura de Alice, irritada, abriu as cortinas do quarto, sem qualquer piedade.
Perguntou a respeito da bagunça na sala, cobrando-me satisfações. Quando expliquei, ela não mais que sorriu
compreensiva. Deu-me o habitual beijo matinal e me observou comer. Parecia
orgulhosa, percebia em seu rosto. Transparecia uma alegria incondicional cada
vez que percebia que eu me sentia feliz. Seu sorriso destacava suas rugas e ela
corava, escondendo a vergonha por trás dos cabelos brancos que colocava em
frente aos olhos azuis escondidos por óculos já velhos. Alice era a mãe que
nunca tive e eu o filho que ela sonhara ter. Éramos assim. Nos completávamos.